Todos nós carregamos, no fundo da nossa mente, uma voz crítica que nos sussurra dúvidas, medos e limitações. Para algumas pessoas, essa voz é mais intensa e constante, moldando a forma como se veem e se comportam no dia a dia. Neste artigo, exploramos a história de Elsa, uma mulher que enfrentou o seu crítico interno desde a infância e aprendeu, através da terapia e de um profundo trabalho interior, a compreendê-lo e a superá-lo. Através desta narrativa, será possível perceber como o crítico interno se forma, como influencia a vida e, principalmente, como é possível libertar-se dele.
Elsa lembrava-se da sempre menina que era. Pequena, tímida, com os olhos grandes e cheios de perguntas, mas encolhida pelo medo. A reprovação na 3.ª classe tinha sido apenas um detalhe, mas naquela pequena escola transformou-se num abismo. Os colegas riam-se dela, empurravam-na nos corredores e chamavam-lhe nomes que ainda ecoavam na sua cabeça. A professora virava o olhar e nada dizia. A mãe, ocupada com mil outras preocupações, também não percebeu o que se passava. E assim, dia após dia, a menina aprendeu que não era boa o suficiente.
Foi nessa altura que começou a nascer o seu crítico interno. Cada insulto, cada riso, cada olhar de desprezo tornou-se uma lição silenciosa: “Não és boa o suficiente.” No dia a dia, este pensamento moldava tudo. Elsa hesitava em levantar a mão na aula, sentia medo de responder perguntas e, quando era chamada, a sua voz tremia. Sentia um nó no estômago antes de falar, os ombros curvavam-se e a confiança parecia esvair-se. Cada ação, cada tentativa de participar, era medida por essa voz silenciosa que dizia que ia falhar.
Com o tempo, estas experiências negativas transformaram-se em crenças limitadoras. Elsa começou a acreditar que não era capaz, que não merecia respeito e que não tinha valor. No liceu, quando precisava de apresentar trabalhos em grupo ou defender uma opinião, a sua energia desaparecia. Tinha medo de se expor e de errar, e evitava situações que pudessem confirmar aquilo que já sentia: que falharia. E, como acontece com tantas crenças limitadoras, estas tornaram-se profecias auto-realizadoras. Ela acreditava que não conseguiria falar bem, então tentava apresentar-se de forma insegura, sussurrando palavras ou gaguejando. O resultado? Falhava ou sentia que falhara, e a sua voz interna comemorava: “Vês? Eu disse-te que não eras capaz.”
Quando Elsa iniciou o processo terapêutico, a regressão permitiu-lhe revisitar todos estes momentos da infância que tinham dado origem ao crítico interno, sentindo as emoções que estavam bloqueadas — medo, vergonha e tristeza. Ela pegou a menina ao colo, acolhendo-a com cuidado e dizendo baixinho: “Estou aqui contigo. Vai correr tudo bem.“ Pela primeira vez, a menina sentiu-se segura, amparada, e Elsa começou a perceber que aquela voz crítica era apenas o eco de experiências passadas, e não a sua verdade.
Ao longo do processo, voltou a usar a regressão para confrontar os agressores imaginários, falar com a professora e até com a mãe que nada fez na altura, dando voz às palavras que nunca dissera. Descobriu também uma outra Elsa dentro de si: confiante, alegre, capaz de se afirmar e de se conectar com os outros. Juntas, a Elsa adulta e a menina ferida caminharam de mãos dadas pelo que antes parecia impossível. A voz crítica, que sussurrava que tudo iria correr mal, perdeu o peso, tornando-se apenas um eco distante.
E foi assim que, um dia, Elsa apresentou um trabalho na escola. Para seu espanto, as mãos não suavam, a voz saía clara, e ela não sentia medo de olhar nos olhos dos colegas. Pela primeira vez, percebeu que podia estar inteira no mundo: a menina que sofreu estava segura, e a mulher confiante que tinha descoberto podia finalmente respirar e existir sem medo.
E você, já descobriu quem é o seu crítico interno? Que voz sussurra dúvidas e medos no seu dia a dia? Reconhece quando essa voz limita os seus passos e impede que se expresse plenamente?
Pedro Abranches
Psicoterapeuta Transpessoal